As crianças se apaixonam cada vez mais
cedo.
O que os especialistas aconselham para
que este sentimento não prejudique a
vida dos
pequenos.
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Por KÁTIA
MELLO |
A vida, naquela primeira
década, teve como marca a leveza das emoções. Crises iam embora na primeira
conversa com os pais. Pequenos dilemas eram encarados e resolvidos de forma
lúdica. Até que, de uma hora para outra, desencadeia-se a tempestade. A pulsação
entra em ritmo frenético. Nas mãos suadas ou nos cadernos, bilhetes com
mensagens do tipo: “Eu te amo. Sem você não posso viver.” É o primeiro amor, a
primeira paixão, o turbilhão de sentimentos que toma conta da rotina de crianças
e pré-adolescentes. Ele começa a varrer o coração dos pequenos entre os nove e
os 12 anos, justamente na fase em que os hormônios iniciam sua festa no corpo
humano. E pode destruir o equilíbrio da garotada, ainda despreparada para
enfrentar essa avalanche de sensações. O efeito é de um nocaute. Por vergonha,
as crianças levam meses para revelar o segredo. Às vezes nem contam. Os pais,
pegos de surpresa, não sabem como administrar a nova realidade. Por todos esses
motivos, o tema vem recebendo atenção cada vez maior de pesquisadores,
terapeutas, psicólogos, pedagogos e professores. O desafio é criar ferramentas
para que um sentimento nobre, fruto de uma pureza comovente, não anule, por
ironia, a alegria de viver típica desta faixa etária.
O primeiro amor, atestam os
especialistas, exerce um papel essencial na forma como o indivíduo irá se
relacionar com o mundo e com as pessoas no futuro. Por isso, ele não pode ser
tratado como simples brincadeira. “Quando é correspondida, a primeira relação
amorosa faz muito bem. Eleva a auto-estima e faz as crianças se sentirem
valorizadas. Além disso, a sexualidade começa a ser definida neste período”,
analisa a psicóloga Cristiana Pereira, habituada a atender o público infantil e
adolescente. É também o momento em que a meninada, ao pensar horas a fio no
outro, descobre a abstração. O caso da paulistana Carolina Diniz, dez anos, é
exemplar. “O João Pedro me emociona. Meu sonho é estar com ele o tempo todo. E
ele também sonha comigo”, diz, convicta – até onde alguém com dez anos pode
estar convicto – de que encontrou o príncipe encantado. Juntos há um ano e meio,
Carolina e o namorado, João Pedro Pinto Leite, 11 anos, se encontram nos
arredores da escola, onde, segundo ela, “a paisagem é bonita”. O entusiasmo do
garoto não é menor. “É primordial fazer a Carol feliz. Se ela não estiver
contente, não irá me corresponder. E aí, eu vou ficar abalado”, reflete João
Pedro, que escreve poemas e os envia à amada pelo Orkut.
O pediatra Fábio Ancona Lopez,
da Universidade Federal de São Paulo Unifesp), lembra que em toda paixão há um
estado alterado da consciência. Com os pequenos não é diferente. “O centro do
mundo passa a ser o objeto amado”, afirma. Na pré-adolescência, a criança se
desenvolve nos aspectos emocional e corporal. Nessa fase, iniciam-se as
primeiras experiências com o mundo externo. Meninos e meninas despertam para
padrões além dos apresentados pelos familiares. Começam a se firmar sexualmente,
mas ainda não têm consciência sobre seus sentimentos. Não conseguem
compreendê-los. Apenas sentem, muitas vezes de modo arrebatador. A criança que
diz estar amando freqüentemente acredita que aquele amor é único. Nessas horas,
a habilidade para escutar os filhos é fundamental, atesta a psicóloga Cristiana.
“Por mais aflitos que fiquem, os pais precisam perceber que receberam um
presente do filho, que os escolheu como confidentes”, explica a
especialista.
Muitos pais questionam se é
hora de o filho se apaixonar. É uma postura inócua: a situação está posta e, de
resto, amores não chegam em momentos agendados. O fundamental é mostrar
acolhimento e reforçar os laços de confiança. Outro aspecto importante é
respeitar o ritmo da criança e deixá-la tomar a iniciativa de falar sem
pressões. Isabella Scuotto, dez anos, não gosta de comentar seus sentimentos com
os adultos, mas confessou à mãe estar apaixonada. A menina costuma se arrumar
com capricho para ir à escola. Passa batom, faz tudo para chamar a atenção do
seu amor platônico, um colega de escola. Até agora, o menino não desconfia do
que se passa porque Isabella não teve coragem de contar. “Quando estou ao lado
dele, minha testa sua e tenho de respirar fundo para parecer normal”, relata. A
estudante fez com a mãe, Fernanda Pavani, um pacto de segredo – o pai é ciumento
e pode reclamar. Situação, aliás, que deve ser contornada. “Os pais precisam
lidar com o crescimento dos filhos. Este é o primeiro anúncio de que a criança
está se abrindo para o mundo”, explica a psicóloga Lisete Calef, também
especializada em atendimento infantil.
Quando o jovem apaixonado começa a alterar sua rotina de estudo e de atividades com os amigos, o melhor é buscar ajuda. Choros por dias a fio, queda repentina nas notas escolares ou noites insones são sinais de que algo pode estar errado. A garotada também leva foras e isso provoca dor. Nada que lembre as epopéias românticas de Tristão e Isolda, mas capazes de deixar pequenas cicatrizes. A pesquisadora americana Nancy Kalish, professora de psicologia da Universidade Estadual da Califórnia, nos Estados Unidos, entrevistou 1,6 mil pessoas entre 18 e 92 anos e descobriu algo surpreendente: três em cada dez gostariam de reatar com o primeiro amor. “Muitos se separaram de seus primeiros romances por conta dos pais. Por isso, se a pessoa não estiver fazendo mal a seu filho, deixe-os em paz”, aconselhou a psicóloga em entrevista a ISTOÉ. Outro ponto importante é o respeito à privacidade da criança. Nada de bisbilhotar o computador ou a pasta da escola em busca de provas. “Respeito a Isabella. Não leio seu diário”, diz a mãe, Fernanda.
Diante da frustração amorosa do filho, não adianta dizer que há centenas de outros pretendentes. O melhor é fazê-los entender que a perda e o sofrimento são sentimentos com os quais todos devem aprender a conviver. A odontopediatra brasiliense Adriana Barreto começou a notar que sua filha Rafaela, 12 anos, chorava copiosamente todas as vezes que assistia a Meu primeiro amor. No filme, o personagem vivido pelo ator Macaulay Culkin tinha uma namorada de dez anos. Depois, vieram perguntas do tipo: “Mãe, quando você deu seu primeiro beijo na boca?” Rafaela tinha se declarado a um menino da escola. Ficou com ele por seis meses e, depois, foi trocada por outra. “Minha amiga me contou que ele tinha me traído. Fiquei muito triste”, conta ela. Rafaela chorou muito, devorou muito chocolate, engordou e afogou as mágoas escrevendo poesias. Depois passou. “Eu o perdoei porque perdôo fácil”, conta a menina. Dar importância exagerada a algo que pode ser passageiro também faz parte da lista de posturas condenadas. “Quando uma criança que não tem namorado é questionada insistentemente sobre isso, poderá concluir que há algo errado com ela”, afirma a psicóloga Lisete.
Quando o jovem apaixonado começa a alterar sua rotina de estudo e de atividades com os amigos, o melhor é buscar ajuda. Choros por dias a fio, queda repentina nas notas escolares ou noites insones são sinais de que algo pode estar errado. A garotada também leva foras e isso provoca dor. Nada que lembre as epopéias românticas de Tristão e Isolda, mas capazes de deixar pequenas cicatrizes. A pesquisadora americana Nancy Kalish, professora de psicologia da Universidade Estadual da Califórnia, nos Estados Unidos, entrevistou 1,6 mil pessoas entre 18 e 92 anos e descobriu algo surpreendente: três em cada dez gostariam de reatar com o primeiro amor. “Muitos se separaram de seus primeiros romances por conta dos pais. Por isso, se a pessoa não estiver fazendo mal a seu filho, deixe-os em paz”, aconselhou a psicóloga em entrevista a ISTOÉ. Outro ponto importante é o respeito à privacidade da criança. Nada de bisbilhotar o computador ou a pasta da escola em busca de provas. “Respeito a Isabella. Não leio seu diário”, diz a mãe, Fernanda.
Diante da frustração amorosa do filho, não adianta dizer que há centenas de outros pretendentes. O melhor é fazê-los entender que a perda e o sofrimento são sentimentos com os quais todos devem aprender a conviver. A odontopediatra brasiliense Adriana Barreto começou a notar que sua filha Rafaela, 12 anos, chorava copiosamente todas as vezes que assistia a Meu primeiro amor. No filme, o personagem vivido pelo ator Macaulay Culkin tinha uma namorada de dez anos. Depois, vieram perguntas do tipo: “Mãe, quando você deu seu primeiro beijo na boca?” Rafaela tinha se declarado a um menino da escola. Ficou com ele por seis meses e, depois, foi trocada por outra. “Minha amiga me contou que ele tinha me traído. Fiquei muito triste”, conta ela. Rafaela chorou muito, devorou muito chocolate, engordou e afogou as mágoas escrevendo poesias. Depois passou. “Eu o perdoei porque perdôo fácil”, conta a menina. Dar importância exagerada a algo que pode ser passageiro também faz parte da lista de posturas condenadas. “Quando uma criança que não tem namorado é questionada insistentemente sobre isso, poderá concluir que há algo errado com ela”, afirma a psicóloga Lisete.
Em alguns casos, a paixão
inicial do filho traz para os pais a preocupação com um outro tema polêmico: a
iniciação sexual precoce. Uma pergunta freqüente é: “Se a minha filha der um
beijo, ela depois irá adiante?” Quase sempre não. É preciso distinguir esse
primeiro amor na pré-adolescência do que a garotada chama de “ficar”. “É
diferente do ficar porque supõe fidelidade ao outro”, adverte a psicóloga
Cristiana. Uma gíria comum entre esses meninos e meninas, usada em mensagens na
internet, é a BV, as iniciais de Boca Virgem. “Perdi meu BV” quer dizer “dei meu
primeiro beijo”. Para eles, isso é uma conquista.
Em algumas situações, a paixão de estréia pode fazer muito bem aos pequenos. Ficar com a menina mais bonita da classe é um sinal de status para os meninos. Bruno Scursoni, 12 anos, interessou-se por uma delas. Seus colegas disseram que ele não deveria perder a chance de estar com a bela garota. Ele faz questão de dizer que não é nada sério. “Não sou muito chegado em namorar”, diz ele. Apesar de negar o namoro, só o fato de ele estar ligado à menina fez com que os educadores notassem uma mudança positiva em seu comportamento. “Todos os professores disseram que o comportamento do Bruno melhorou”, afirma a pedagoga paulista Vanessa de Carvalho Salomon. Para conquistar as meninas, é comum os garotos exibirem suas qualidades na escola.
Em algumas situações, a paixão de estréia pode fazer muito bem aos pequenos. Ficar com a menina mais bonita da classe é um sinal de status para os meninos. Bruno Scursoni, 12 anos, interessou-se por uma delas. Seus colegas disseram que ele não deveria perder a chance de estar com a bela garota. Ele faz questão de dizer que não é nada sério. “Não sou muito chegado em namorar”, diz ele. Apesar de negar o namoro, só o fato de ele estar ligado à menina fez com que os educadores notassem uma mudança positiva em seu comportamento. “Todos os professores disseram que o comportamento do Bruno melhorou”, afirma a pedagoga paulista Vanessa de Carvalho Salomon. Para conquistar as meninas, é comum os garotos exibirem suas qualidades na escola.
Os professores também precisam
estar atentos à situação emocional da criança. E, em algumas situações, devem
agir. Falante e galanteador, Thomas Anderson Esch, 11 anos, passou por uma
grande desilusão. “Sofri por uma menina. Tive dificuldade na escola,
principalmente em matemática. Não conseguia prestar atenção nas aulas. Só
pensava nela.” A mãe, a professora Anne Anderson, foi chamada para se inteirar
da situação. “Ele ficou arrasado. A gente até torceu para ele reconquistá-la,
mas, ao mesmo tempo, tudo pareceu ser cedo demais”, conta ela. Thomas diz ter
superado a paixão. “Agora sei que posso gostar de outras e não deixar isso
atrapalhar a minha vida”, afirma ele. Em seu quarto, um porta-retrato com a foto
da menina permanece virado de costas. “Nesta fase, eles sofrem muito com a
rejeição”, explica a terapeuta Maria Teresa Maldonado, autora do livro Cá entre
nós – na intimidade das famílias. “São os primeiros passos da alfabetização
amorosa”, completa ela. Outro caso em que os educadores tiveram que intervir foi
o de Jéssica Rezende, 12 anos. A pedagoga Vanessa achou que a menina, aluna de
uma escola em que trabalha, poderia se expor demais por estar apaixonada por um
menino mais velho. A classe inteira soube do amor de Jéssica pelo rapaz. “Eu
mandei um bolo de cartas para ele. Tinha vergonha de chegar perto, ficava
nervosa. Hoje somos amigos”, conta a garota. Ela não desistiu de namorá-lo um
dia, mas optou por “não ficar mais na cola dele”. Bem orientada – e sem perder a
ternura –, resolveu a questão da melhor maneira possível. A lição, sobretudo
para os pais, é clara: é preciso sensibilidade para tentar amenizar os eventuais
sofrimentos sem criar bloqueios afetivos nos corações puros das crianças. Amar é
bom. Ser amado também. Que elas cheguem à maturidade certas disso.
Colaboraram: Aziz Filho e Joceline Gomes
Colaboraram: Aziz Filho e Joceline Gomes
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